15.3.08

 

Exemplo de Dignidade

Dando certa sequência a estes meus últimos textos relacionados com as Invasões Francesas e a demanda de Olivença, vou colocar aqui o artigo do General José Loureiro dos Santos sobre a Questão de Olivença, publicado no jornal Público de sexta-feira, 14-03-2008, que retirei do sítio oficial do Grupo dos Amigos de Olivença, que, em boa hora, o disponibilizou a este vasto e poderoso meio comunicativo da Internet.

O texto do Gen. Loureiro dos Santos, agora saído no jornal Público, constitui uma versão abreviada da comunicação que ele próprio leu, por ocasião da apresentação do livro de Ana Paula Fitas «Olivença e Juromenha – Uma História por Contar» das Edições Colibri, no Palácio das Necessidades, em 28 de Fevereiro de 2008, acontecimento já aqui referido circunstanciadamente.

Sabemos que já por diversas vezes o Gen. Loureiro dos Santos se tem ocupado publicamente da Questão de Olivença, dando prova de que não teme desagradar aos poderes fácticos do momento, que, sem razão, pensam ser esta uma maneira de eventualmente ofender a sensibilidade espanhola, prejudicando um clima de presente bom entendimento político entre os dois Estados Peninsulares.

Justamente, como ele sustenta no artigo, o facto de Portugal e Espanha integrarem hoje a mesma unidade política internacional, a União Europeia, sendo igualmente parceiros na mesma aliança militar, a OTAN, logo, sem receios ou desconfianças recíprocas, pode e deve ser aproveitado para se reatar o tratamento político diplomático da Questão mantida em situação de irregularidade, há cerca de duas centenas de anos, em contravenção com o disposto em Tratados Internacionais assinados e reconhecidos como válidos.

Será agora a altura apropriada para colocar a nossa Diplomacia a preparar Dossiers, estudando com seriedade a forma de este diferendo se resolver, com justiça e pundonor para ambas as partes, acautelando direitos e haveres das actuais populações das localidades envolvidas, com o fim último de fazer regressar à soberania portuguesa os territórios a ela subtraídos em 1801.

Assim se porá termo a uma velha e desonrosa demanda, que, na verdade, mancha a história das relações entre os dois Estados, os quais, numa feliz iniciativa, ainda antes do final do século XIII, pelo Tratado de Alcanices, em 1297, souberam dirimir entre si, sem interferências de terceiros, as disputas sobre os seus limites fronteiriços.

Para tal desiderato, muito concorre a nobreza da atitude deste General, digno representante de uma Instituição que tem sido sempre, desde a sua remota origem firmada nos campos de S. Mamede, uma reserva da nossa honra e dignidade como Nação soberana, que assim quer continuar, sem prejuízo de compromissos e alianças livremente assumidos decorrentes da sua integração em espaços políticos, económicos e militares mais vastos, como são os casos da União Europeia e da OTAN.

Para que mais gente possa conhecer a atitude desassombrada de quem já desempenhou cargos de elevada responsabilidade militar e política no País, como o General Loureiro dos Santos, transcrevo a seguir o seu artigo que o Público divulgou na edição de ontem :

«Gen. Loureiro dos Santos (Jornal PÚBLICO) (14/03/2008)


Chegou a altura de resolver a Questão de Olivença


A História não acabou. Há muita História no futuro. Um futuro incerto e, provavelmente, muito perigoso.

«A Lógica de cooperação e competição das relações com Espanha criou a oportunidade para resolver a questão de Olivença

José Loureiro dos Santos

O contexto estratégico conjuntural que originou o Tratado de Badajoz de 1801, pelo qual Olivença passou paras a soberania espanhola, não se modificara integralmente em 1815, quando a devolução de Olivença a Portugal foi determinada pelo Tratado de Viena.

A relação de forças na Europa da Época não ordenou de modo peremptório e imediato essa devolução, remetendo-a para quando Portugal e Espanha considerassem oportuno - o que significava, de facto, submeter a resolução do problema ao entendimento Portugal-Espanha, logo aos objectivos nacionais de cada país e às tensões estratégicas correspondentes.

A definição do momento oportuno, se não fosse efectuada por potências extrapeninsulares, teria de ser proposta por Portugal a uma Espanha da qual, naturalmente, nunca partiria a iniciativa. Para Portugal, o momento oportuno teria de coincidir com uma "oportunidade estratégica" favorável. Na altura do regime da ditadura, foi dito não ser oportuno levantar o problema.

Aqui reside o cerne do problema. Findos os acontecimentos que envolveram os dois Estados nas guerras napoleónicas e seus desenvolvimentos, a relação de forças europeias e mundiais nunca deixou de se traduzir, para a península, numa lógica de conflito e confrontação.

Por trás do comportamento pacífico e amistoso entre os dois Estados, havia sempre a percepção, por cada um deles, que a existência do outro constituía uma ameaça. Ou porque poderia servir de cais de desembarque e base de ataque para forças poderosas que visassem a Espanha e/ou foco de contaminação política que fizesse perigar o seu regime (absolutista, liberal ou monárquico). Ou porque representava uma ameaça existencial para Portugal e/ou também poderia contaminar negativamente o seu regime.

Esta lógica de confrontação teve situações mais agudas e outras menos, mas nunca deixou de existir. A percepção dos responsáveis políticos portugueses ao longo dos séculos XIX e XX, até à guerra fria, foi sempre a de que tudo deveria ser feito para evitar uma crise aberta com a Espanha, pois tinham consciência de que a lógica de conflito existente entre os dois países se poderia transformar num confronto aberto muito desfavorável a Portugal.

Confronto aberto que até poderia ser convenientemente provocado pelos governantes espanhóis, para fazerem esquecer os graves problemas internos que os seus súbditos sentiam, bem como os efeitos deletérios dos traumas causados pelos enormes abalos nacionais que afectaram Espanha.

Dentro desta lógica de confronto, tornava-se quase impossível alterar as relações de forças de modo a surgir uma oportunidade estratégica que nos permitisse procurar resolver a questão de Olivença junto dos espanhóis.

A lógica de confronto, embora atenuada pela natureza dos regimes então vigentes, não terminou durante a guerra fria. Só viriam a surgir modificações, e profundas, com a democratização dos dois vizinhos peninsulares, a queda do Muro de Berlim e, principalmente, com a globalização, o mercado comum europeu e, acima de tudo, com o estabelecimento do espaço Shengen.

Estas novas linhas de força tiveram como resultado uma alteração profunda no contexto estratégico do relacionamento peninsular. Não porque surgiram desequilíbrios que nos fossem favoráveis em termos de confronto, mas precisamente pelo congelamento da lógica de confronto e a sua substituição por uma lógica de cooperação/competição.

A abertura de fronteiras e a liberdade de movimentos de pessoas, bens e ideias entre os dois países fizeram com que as regiões homogéneas naturais da península, todas periféricas, se tivessem aproximado, como que desafiando o centro peninsular - a despeito das fronteiras administrativas e políticas.

Na Espanha, foram reconstituindo uma configuração multipolar em termos económicos, com as regiões periféricas a tentar "conquistar" poder político a Madrid, interagindo umas com as outras e também com Portugal, que além de região económica é um país soberano.

Esta situação multipolar, num contexto de uma lógica de cooperação/competição, favorece Portugal, pois, de todas as regiões peninsulares com ligações a um centro de poder afastado (Bruxelas), é a única cuja independência lhe permite relacionar-se com o Governo espanhol no mesmo patamar político. Todas as restantes terão de sujeitar-se às orientações de Madrid.

Finalmente, esta lógica de cooperação/competição que caracteriza as nossas relações com a Espanha permitiu o aparecimento da oportunidade estratégica para que os dois países - amigos, aliados, que não encaram o outro como ameaça - resolvam a questão de Olivença. E para que Portugal possa tomar a iniciativa de abrir o diálogo.

É pôr fim a um contencioso que pode funcionar como um foco de potencial atrito e de conflito em situações de maior tensão entre as posições dos dois países. Lembremo-nos de que a História não acabou. Há muita História no futuro. Um futuro incerto e, provavelmente, muito perigoso. É avisado acautelarmo-nos. Olivença é um problema que se pode agravar, mas podemos fazer dele um pólo de atenuação de tensões entre os Estados peninsulares.

Não deve ser ignorada a realidade actual de Olivença, criada nos últimos dois séculos pela administração espanhola. Uma realidade que já não é sustentada apenas em elementos identitários lusitanos, mas em que persistem muitos deles. Olivença constitui uma micro-região, com características distintivas em relação aos espanhóis, mas também aos portugueses. Foi como se, na zona raiana, tivesse aparecido um elo de ligação entre os dois povos, semelhante a ambos mas deles diferenciado.

Para a solução desta questão são de afastar posições radicais, sem recuo e sem condições, antes recorrer-se a uma abordagem gradual e "soft", com a tónica na cultura: considerar a hipótese de permitir que os oliventinos escolham a dupla nacionalidade, autorizar o ensino da língua portuguesa por professores destacados por Portugal, além do castelhano já obrigatório, não proibindo o uso do português no espaço público, estabelecer uma delegação que promova a cultura portuguesa.

Admitir mesmo a hipótese de se chegar a uma soberania partilhada sobre Olivença, como região especial e exemplo de amizade e cooperação entre os dois países, que, numa fase inicial, poderia assumir vínculos políticos mais fortes com Espanha do que com Portugal.

Nota: Este texto constitui a súmula da apresentação do livro de Ana Paula Fitas "Juromenha e Olivença, Uma História por Contar" das Edições Colibri, a publicar na íntegra no próximo número da "Revista dos Negócios Estrangeiros"»

Fim da transcrição do artigo do Gen. Loureiro dos Santos.

AV_Lisboa, 15 de Março de 2008

2.3.08

 

Olivença Académica



Por agradável coincidência, 15 dias depois de ter escrito o artigo precedente, «Factos Históricos de Há 200 anos», tive a honra de assistir ao lançamento do livro de Ana Paula Fitas, «Olivença e Juromenha – Uma História por Contar», que constitui a sua Tese de Doutoramento em Ciências Sociais - Estudos Portugueses - Cultura Portuguesa do Século XX, pela Universidade Nova de Lisboa.

Agradeço aqui, formalmente, o amável convite do Presidente da mui meritória e patriótica associação cívica «Grupo dos Amigos de Olivença», Dr. António Marques, que, em tempo oportuno, me notificou da realização deste propício evento, no Palácio das Necessidades, em Lisboa.

Ali mesmo, já havia estado, em Novembro de 1997, quando se comemoraram os 700 anos do Tratado de Alcanices, de boa memória, celebrado entre D. Dinis, Rei de Portugal e Fernando IV, Rei de Castela.

Neste Tratado se acertaram os limites fronteiriços entre os dois estados peninsulares, que haveriam de permanecer quase intocados, não fora o esbulho espanhol de 1801.

Na altura, também por convite, ali me deslocara, dessa feita por gentil cedência do convite de um jovem amigo historiador, então ilustre desconhecido, hoje ainda jovem, mas já prestigiado e muito conhecido edil, ilustre por certo e grande esperança política das novas gerações, que, na altura, sabendo do meu apego à causa oliventina, me endereçara tal convite, uma vez que, ele próprio, não poderia comparecer na sessão comemorativa de tão significativa efeméride.

Dessa participada e emotiva sessão, guardo na memória a elegante e erudita intervenção do Embaixador Calvet de Magalhães, assim como as de outros Embaixadores e a do Prof. António Pedro Vicente, a par de outras, igualmente interessantes, de amigos e defensores da causa de Olivença Portuguesa.

O espaço da sessão, então como agora, daria o sinal de simpatia da parte do Estado Português a uma causa a que tem faltado nos 206 anos que já leva de demanda, o apoio oficial, claro e inequívoco, das autoridades nacionais, num acanhamento ou timidez absolutamente incompreensível, incompatível com qualquer sentimento de dignidade de representantes de Estado soberano e independente, como Portugal é, por obra de muito sangue derramado em campo de batalha e não por qualquer concessão de entidade generosa ou condescendente.

É isto uma verdade incontestável, mas que convém reafirmar, ante espíritos demasiado timoratos, cautelosos em excesso, porventura desejosos de agradar a outras disposições de sentido diverso, convencidos que estão de, assim, ganharem a consideração e o respeito alheios, designadamente dos espanhóis, que, deste modo, tiram benefício redobrado dessa subserviente postura.

Sobre esta tese da Doutora Ana Paula Fitas, já ouvira falar numa outra sessão, efectuada em Novembro de 2005, na Casa do Alentejo, sob o patrocínio da referida associação cívica e patriótica, a que também compareci, tendo até feito uma pequena intervenção de congratulação e de inquirição à Tese da autora, que, amavelmente, assim a compreendeu e a ela respondeu contrapondo o seu ponto de vista.

O teor da minha intervenção, na altura, prendia-se com a questão da escolha de Juromenha e não de outra localidade alentejana, como, por exemplo, Elvas, Estremoz, Vila Viçosa ou Campo Maior, que houvesse sofrido maior desenvolvimento sócio-económico, no confronto com Olivença, bem como com uma certa reserva, que também me pareceu desnecessariamente cautelosa, em evitar considerações de carácter político, sublinhando tratar-se de um estudo sociológico, cultural, de âmbito eminentemente académico, sem qualquer intenção política.

Desta feita, verifiquei, com agrado, que muitas inibições foram ultrapassadas, ao ponto de encontrar no livro largas referências ao enquadramento histórico-político da Questão de Olivença, de grande pertinência e rigor, a que a apresentação da obra, por parte do General Loureiro dos Santos, veio dar outro vigor e maior visibilidade mediática, pela forma ousada, clara e meditada como este distinto militar costuma intervir, nas frequentes solicitações a que tem de responder, em assuntos de natureza estratégica, política e militar, da conjuntura actual, nacional e internacional.

Normalmente, o General Loureiro dos Santos fala com desassombro de assuntos complexos da Guerra ou da Política, com pensamento próprio, fruto da sua dedicação e do seu interesse pelos temas que analisa, em nítido contraste com aquela «língua de pau/langue de bois» dos políticos profissionais, que estudam pouco e mal, medindo as palavras, pela conveniência do meio e do momento em que as proferem.

Gostei da sua original forma de abordar a Questão de Olivença, fundando-a num enquadramento histórico recuado, com uma tentativa de explicação para a falta de Portugal em encontrar o momento azado de colocar a Questão em termos oficiais e formais, no plano em que ela deverá um dia ser apresentada, que é o da Agenda Diplomática entre os dois actuais Estados Peninsulares.

Neste aspecto, contudo, pareceu-me a sua intervenção um pouco omissa, mas precisava de a ler para confirmar a impressão que colhi. Soube que irá ser proximamente publicada na revista do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Então verei se a presente impressão ganha confirmação.

Do livro ainda não posso dizer grande coisa, porque dele não li mais que a sua modestíssima décima parte. Trata-se de uma obra de cerca de 400 páginas, com diversos ângulos de aproximação cultural, com bastantes elementos sociológicos de estudo e que requer tempo para dela se lograr justa apreciação.

Sem, ao de leve sequer, querer beliscar os méritos da autora, tenho desde já que lamentar um erro na página 32, no final do 2º parágrafo, quando, a propósito da intervenção, em auxílio de D. Afonso VI, Rei de Leão e Castela, na reconquista cristã da Península, dos primos franceses, D. Raimundo e D. Henrique, ambos ligados familiarmente aos Duques da Borgonha, se diz que « A D. Raimundo e D. Urraca foi atribuído o Condado de Aragão e a Henrique e Teresa o Condado Portucalense», quando aos primeiros o Condado atribuído foi o da Galiza e não o de Aragão, sobre o qual Afonso VI não tinha suserania.

Só após a morte do próprio Raimundo e da de Afonso VI, a herdeira legítima do trono de Leão e Castela, D. Urraca, ao casar-se, em segundas núpcias, com Afonso I de Aragão, haveria de exercer domínio sobre este reino, de resto, tudo isto já em ambiente de franca contestação e disputa entre os diversos reinos peninsulares, facto de que tirou partido o nosso D. Afonso Henriques, para se lançar decididamente na sua luta pela independência do Condado Portucalense.

Dir-se-á que são lapsos menores, mas, ainda assim, devem ser corrigidos oportunamente, porque destoam do cunho de rigor de que a obra se reveste.

No parágrafo seguinte da mesma página, a alusão à entrada de Olivença nos domínios do reino de Portugal também me parece um tanto confusa. Em todo o lado está registado que o Tratado de Alcanices se celebrou em 1297 entre D. Dinis, de Portugal e Fernando IV, de Castela. Ainda que este fosse, ao tempo, de menor idade o Tratado seria sempre celebrado em seu nome.

Estou certo de que uma redacção mais cuidada do referido parágrafo eliminará certamente a inconveniente confusão ali estabelecida.

Igualmente do Prefácio, da autoria do Prof. Armindo dos Santos, terei de dizer que, logo a primeira referência ao estudo apresentado, dando-o como uma observação extensiva ao país vizinho, não me parece feliz, porquanto ele incide sobre uma região, portuguesa de direito, ainda que sob administração actual espanhola.

Por mera razão de coerência com considerações que o próprio prefaciador, mais adiante, haverá de tecer, tal início de texto ganharia em ser emendado. Penso que a autora, numa segunda edição da obra, poderá solicitar do Prof. Armindo dos Santos essa conveniente reformulação textual e, obviamente, proceder também à clarificação das passagens da página 32 acima citadas, com o que a obra sairá beneficiada não só em clareza, como em rigor.

Sabemos bem como os detractores de uma obra se valem de defeitos menores e, até insignificantes, nela encontrados, para depois a desvalorizarem, no que ela tem de verdadeiramente relevante e inovador, malefício que não desejaríamos que fizessem a esta importante Tese académica.

São hoje infelizmente frequentes os erros de edição, apesar de muitas das empresas editoras de livros contarem com profissionais que têm a seu cargo a revisão das obras, função que, a meu ver, deve ultrapassar a da simples verificação ortográfica dos textos.

Porque muito prezo esta obra da Doutora Ana Paula Fitas, gostaria, por isso mesmo, de vê-la isenta de defeitos e, acrescento ainda, com franqueza, que tampouco me agrada o sub-título «Uma História por Contar» que o editor sugeriu à autora, na presunção de, com ele, vir a atrair uma parcela maior do público leitor.

Corre-se, no entanto, o risco de, com tal sub-título, para alguns espíritos mais desprevenidos, se confundir uma obra de Tese, ainda por cima de Doutoramento, com uma narrativa de ficção, coisa que, certamente, estaria nos antípodas do desejo da autora.

Bem sei que no mercado livreiro actual abundam obras de ficção histórica, algumas até de grande mérito, assentes em factos averiguados do passado, muito bem escritas, como as de João Aguiar, Fernando Campos, José Norton, entre outras, por exemplo, que sem dúvida esclarecem e ao mesmo tempo deleitam os seus leitores.

Mas aqui, em particular, estamos perante uma obra índole diversa, de investigação académica, que cumpriria afirmar no nosso universo leitor, popular e universitário, muito necessitado, de resto, de obras que versem o tema de Olivença, quase uma raridade, hoje em dia.

Por isso saúdo vivamente a coragem de Ana Paula Fitas, em ter escolhido, para tema da sua Tese académica, algo que trouxesse à discussão a nossa esquecida terra de Olivença.

Pelo que lhe ouvi, 200 anos de domínio espanhol, com a consequente aculturação forçada da região, não foram suficientes para apagar as suas raízes culturais comuns com outras terras portuguesas, designadamente, alentejanas.

Conviria aproveitar a presente abertura das autoridades locais espanholas ao intercâmbio cultural com as localidades portuguesas vizinhas, estimulando o interesse dos oliventinos pelo seu importante património histórico, de funda ligação a Portugal.

Para tal, deveríamos multiplicar iniciativas que visassem o estreitamento de ligações culturais com Olivença, sobretudo que oferecessem o ensino da Língua Portuguesa, de todas as formas possíveis, incluindo a sustentada em meios audiovisuais, hoje tarefas facilitadas, com a Internet e os computadores pessoais.

O período que atravessamos, com as evocações em curso dos 200 anos das Invasões Francesas, revela-se propício à renovação do interesse por temas de cunho cultural identitário, patriótico sem complexos, ainda que vivamos numa conjuntura política de cooperação alargada, europeia, em primeiro lugar, mas também com outras zonas do globo, assumindo a nossa vocação universalista, de fácil contacto com outros povos e outras culturas.

Afinal, Portugal foi pioneiro nas relações entre diferentes povos e continentes, qualquer coisa que pode ser entendida como uma globalização «avant la lettre», antes de o termo ter sido modernamente cunhado, suponho, pelos norte-americanos.

Estes últimos, bem vistas as coisas e não obstante todo o arsenal de propaganda e de marquetingue que possam mobilizar em seu favor, mostram-se, no fundo, bem menos capazes de desempenhar o papel que um dia, no longínquo século XVI, terá pertencido aos Portugueses.

Diga-se também, por amor da verdade, que o resultado desse protagonismo lusitano, no palco da História mundial, pouco duradouro, na verdade, se terá até revelado, para nós, escassamente lucrativo, tendo acabado por ir enriquecer outras nações, outras terras, outras gentes, mais materialistas, mais frias e calculistas, muito mais organizadas na contabilização dos seus interesses, como ingleses e holandeses, que, depois, nos haveriam de substituir, com maior eficácia, na intensificação do comércio intercontinental, que não no plano da convivência inter-racial, mesmo se esta não foi tão idílica como, por vezes, se apregoa.

Todavia, em África, nas Américas : Central e do Sul, sobretudo, na Ásia e na Insulíndia, Portugal pode e deve ter uma presença forte, principalmente cultural, já que a económica parece mais difícil de se atingir, ainda assim sem a desprezar, naturalmente, antes procurando tirar partido da sua rica História e das características bastante plásticas, afáveis no trato, do seu povo, características, de resto, amplamente demonstradas no convívio com os demais povos, incluindo aqueles que episodicamente o guerrearam.

Tudo isto não é nenhuma fantasia, mas um património activo, que deveríamos saber explorar, na actualidade, com as exigências que essas relações hoje implicam.

Mas, para desenvolver com proveito estas potencialidades, seria necessário arredar uma horda de complexados que pululam nos Governos, nos Partidos, nas Instituições e no Estado, em geral, que de tudo se inibem, em tudo recuam, por falta de coragem política, ausência de verdadeiro sentimento patriótico, qualidade que, erradamente, julgam antiquada, inútil ou contrária ao sentido dos tempos.

À medida que o País vai ficando cada vez mais decepcionado com os presentes actores políticos, que malbaratam os escassos trunfos da Nação que já foi valente, mesmo se não imortal, aos Portugueses pouco mais resta senão haurir forças nesse fértil manancial histórico, que deve, justamente, servir para forjar nova regeneração, novo revigoramento do tecido nacional.

Finda a ilusão colectivista dos anos de brasa de 1974-75, deve reformular-se agora a visão exacerbadamente economicista-financeira, que tem desagregado a Nação, numa correria vã atrás de quiméricas riquezas que nunca se alcançam, explorando filões ilusórios, de que só uns poucos, oportunistas e fidalgos, bem relacionados e cumpliciados com o Poder, verdadeiramente lucram.

A obra da Doutora Ana Paula Fitas, que motivou estas rudes reflexões, deve, pois, ser lida com especial atenção. Ela pode reacender um interesse por temas nacionais importantes, hoje frequentemente escarnecidos na boca de néscios presunçosos, tidos por mentes avançadas, imbuídas de imaginado espírito cosmopolita.

A seriedade do estudo empreendido por Ana Paula Fitas merece justificadamente o esforço de uma leitura cuidada e perseverante, imprescindível disposição para vencer as suas quase quatro centenas de páginas, por vezes de denso conteúdo.

Apesar de me achar, de momento, com várias leituras em operação, igualmente interessantes e prementes, farei, no entanto, um esforço suplementar para chegar, com brevidade, ao fim deste livro agradavelmente surpreendente. Acredito sinceramente que possa confirmar esta minha inicial boa impressão.

Os pequenos defeitos que aqui lhe apontei, facilmente emendáveis em futuras edições, de modo nenhum deslustram a obra. Outros que, eventualmente, lhe venha a detectar, apenas os apurarei com o propósito de a tornar mais bela, tanto quanto possível isenta de imperfeições, maleita de que qualquer obra humana, compreensivelmente, sempre há-de enfermar, por muito que perseveremos em as evitar, por muito que queiramos eliminá-las.

É, todavia, nosso dever irrecusável expurgar o erro, lá onde e sempre que ele se manifeste, na plena convicção de que o dito erro pode, na verdade, ter inúmeras justificações, porém, um só adequado remédio ele admite : o da sua pronta e completa correcção, doutrina que amiúde aqui tenho defendido e, julgo, militantemente praticado.

Conto, por conseguinte, voltar, em breve, ao assunto deste oportuno e formoso livro de Ana Paula Fitas.

AV_Lisboa, 02 de Março de 2008

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